Para Celso Vasconcellos
Pedagogo, Filósofo e responsável pelo Libertad - Centro de Pesquisa, Formação e Assessoria Pedagógica.
É preciso evitar a visão de que a cidade ou uma entidade possa ser “educadora”: essa prática se daria, segundo ele, nas relações humanas.
“A cidade se torna educativa ou educadora a partir da preocupação dos seus cidadãos, a partir das iniciativas coletivas, grupais e individuais”, defende o especialista.
Nos últimos anos,
tem crescido o número de espaços, tempos ou modos de ensinar e aprender. Em
meio a essa diversidade, quais princípios são fundamentais?
Qualquer que seja a
prática de ensino-aprendizagem, temos três dimensões básicas do processo de
conhecimento das quais não se tem como fugir. São elementos que devem ser
trabalhados, qualquer que seja o tipo de organização desse processo. O primeiro
elemento é o que nós chamamos de Mobilização para a Aprendizagem, o desejo de
conhecer, a motivação, a curiosidade, a busca pelo conhecimento. O segundo
elemento é o que nós chamamos de Construção do Conhecimento, que é a ação do
sujeito sobre o objeto de conhecimento. Para conhecer é preciso agir, seja a
ação motora e/ou perceptiva e/ou reflexiva. E a terceira dimensão do processo de
aprendizagem é a Elaboração e Expressão da Síntese do Conhecimento: enquanto o
sujeito não expressar, não incorporar na linguagem ou em alguma prática efetiva
aquele conhecimento que ele está adquirindo, o ciclo não se completa.
Diante do cenário
atual da educação brasileira, o que precisamos buscar?
Temos que trabalhar
a tensão dialética entre dois aspectos fundamentais: as Condições Objetivas
(para o trabalho na escola, para o trabalho do professor, para o trabalho do
aluno) e as Condições Subjetivas. Temos que cuidar desde a questão da formação
docente (inicial e continuada), passando pelo espaço escolar, pela questão das
condições de trabalho, plano de carreira, instalações, equipamentos etc.
Ao mesmo tempo,
temos que pensar do ponto de vista subjetivo, na questão do olhar do professor,
da sensibilidade, do compromisso, e superar esse olhar de preconceito, de
julgamento. É imprescindível que o professor procure desenvolver esse olhar de
compreensão, de aproximação em relação aos alunos, o próprio desejo de ser
professor, o estar motivado para aquilo que vai ensinar, o cuidado no trato com
os conteúdos, com a metodologia de trabalho, com a avaliação, com a relação
interpessoal com o aluno, na organização do contrato didático e da sala de
aula.
Existe a falta de
um projeto político-pedagógico nas escolas?
Se considerarmos do
ponto de vista formal, não. Creio que grande parte das escolas tem o seu PPP
(Projeto Político-Pedagógico). Só que, em muitos casos, esse projeto foi feito
só para cumprir uma exigência do órgão superior, das Secretarias da Educação,
das mantenedoras, mas eles não correspondem a uma necessidade, a um significado
para o grupo.
A grande falha que
percebemos hoje nos projetos é que eles precisariam advir de uma necessidade do
grupo e ter um significado. Essa foi uma ambiguidade da nova LDB - Lei de
Diretrizes e Bases: de um lado exige que as escolas tenham a sua proposta
pedagógica, o seu PPP, o que predispõe as escolas a fazerem, mas, de outro
lado, também induz as escolas a fazerem só para cumprir a formalidade legal,
não como um elemento de constituição da própria identidade, da explicitação do
seu horizonte utópico, do que deseja alcançar, dos seus princípios, critérios e
valores.
O vínculo afetivo é
uma ferramenta na relação ensino-aprendizagem?
O vínculo está
sempre presente! A grande questão é trabalhá-lo de forma mais consciente, de
forma mais cuidada. O vínculo afetivo desempenha um papel decisivo já que uma
das dimensões do processo de conhecimento é, justamente, a Mobilização para o
Conhecimento.
Na estrutura atual
da escola, costuma-se trabalhar muito mais numa linha instrucionista do que
libertadora, emancipatória, ativa. De um modo geral, o aluno não traz esse
desejo de conhecer; então, esse desejo tem que ser provocado. Diferente, por
exemplo, de quando se trabalha com projetos, de onde se parte do próprio
interesse do aluno. Portanto, nessa estrutura atual da escola, a questão do
vínculo se torna ainda mais importante, porque o fundamental, para que se dê a
aprendizagem, é que o aluno estabeleça vínculo com o objeto de conhecimento.
Como o senhor
define uma cidade educadora?
Uma cidade
educadora tem em seus habitantes uma preocupação educadora em todos os campos,
não se restringindo aos espaços tradicionais como a família, a escola e a
igreja. Essa preocupação acaba se traduzindo na maneira como esses espaços são
organizados. Por exemplo: a limpeza do Metrô de São Paulo é algo que chama a
atenção. Aquele ambiente, limpo, pode ter esse caráter educativo na medida em
que o sujeito olha e vê que está tudo bem cuidado. Portanto, não é bom para ele
jogar um papel ali. Mas esse ambiente só está limpo porque há pessoas que o
limparam, e se tivemos pessoas que limparam esse ambiente é porque existe uma
compreensão de que isto é bom para as pessoas e para a cidade.
O que quero dizer é
que a cidade se torna educativa ou educadora a partir da preocupação dos seus
cidadãos, a partir das iniciativas coletivas, grupais e individuais. Insisto
nesse aspecto para evitar uma visão mecanicista, como se “a cidade”, como se
“uma entidade”, pudesse ser educadora. A educação sempre se faz na relação
humana.
Assim, numa cidade
educadora, a tarefa educativa não fica restrita à escola, porque, infelizmente,
muitas vezes parece que a escola tem que resolver tudo… É claro que a escola
tem responsabilidades, mas tudo fica muito mais fácil quando a escola está
dentro de um projeto coletivo que se traduz naquilo que chamamos de cidade
educadora.
Quais iniciativas
podem nortear a mobilização para a aprendizagem?
Um primeiro
elemento é o próprio desejo de ser professor. Isso pode parecer óbvio, mas
sabemos que não é. Hoje em dia há vários colegas que estão na profissão meio
que por acaso.
Um outro elemento
muito importante é a capacidade de trabalhar com aqueles alunos que estão
apresentando alguma resistência maior, uma dificuldade no vínculo com o objeto
de estudo. Aí entra a dimensão do Relacionamento Interpessoal. Diante de
situações mais delicadas e difíceis, o professor deve ser capaz de se aproximar
do aluno, criar um ambiente de intimidade, procurar se aproximar e ver o que
está acontecendo.
Em relação ainda ao
aspecto do Trabalho com o Conhecimento, um caminho que favorece a mobilização é
o professor propiciar situações problematizadoras: ao invés de levar o conteúdo
pronto, levar questões que provoquem o desejo de saber. Tirar o aluno da sua
zona de conforto.
Temos, portanto,
todo um espectro que vai desde a questão do cuidado que o aluno deve ter com a
questão da alimentação, do sono, essas coisas básicas da existência, até a
relação dele com a instituição. Se ele tem uma questão mal resolvida, por
exemplo, com a direção da escola, isso pode se manifestar na sua relação com o
professor.
O conhecimento
parte sempre do vínculo, o afetivo ou o simbólico. Portanto, tudo aquilo que se
puder fazer para criar vínculos do aluno na escola, será favorável ao processo
de aprendizagem e construção do conhecimento.
Fonte: ALANA acesso em 05/08/2014.
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