Emília Ferreiro se tornou uma espécie de referência
para o ensino brasileiro e seu nome passou a ser ligado ao construtivismo,
campo de estudo inaugurado pelas descobertas a que chegou o biólogo suíço Jean
Piaget (1896-1980) na investigação dos processos de aquisição e elaboração de
conhecimento pela criança - ou seja, de que modo ela aprende. As pesquisas de
Emilia Ferreiro, que estudou e trabalhou com Piaget, concentram o foco nos
mecanismos cognitivos relacionados à leitura e à escrita. De maneira equivocada,
muitos consideram o construtivismo um método.
- Tanto as descobertas de Piaget como as de Emília levam à conclusão de que as crianças têm um papel ativo no aprendizado. Elas constroem o próprio conhecimento - daí a palavra construtivismo. A principal implicação dessa conclusão para a prática escolar é transferir o foco da escola - e da alfabetização em particular - do conteúdo ensinado para o sujeito que aprende, ou seja, o aluno. "Até então, os educadores só se preocupavam com a aprendizagem quando a criança parecia não aprender", diz Telma Weisz. "Emília Ferreiro inverteu essa ótica com resultados surpreendentes."
O princípio de que o processo de conhecimento
por parte da criança deve ser gradual corresponde aos mecanismos deduzidos por
Piaget, segundo os quais cada salto cognitivo depende de uma assimilação e de
uma reacomodação dos esquemas internos, que necessariamente levam tempo. É por
utilizar esses esquemas internos, e não simplesmente repetir o que ouvem, que
as crianças interpretam o ensino recebido. No caso da alfabetização isso
implica uma transformação da escrita convencional dos adultos (leia mais sobre as hipóteses elaboradas pelas crianças na tentativa de
explicar o funcionamento da escrita). Para o
construtivismo, nada mais revelador do funcionamento da mente de um aluno do
que seus supostos erros, porque evidenciam como ele "releu" o
conteúdo aprendido. O que as crianças aprendem não coincide com aquilo que lhes
foi ensinado.
COMPREENSÃO DO CONTEÚDO
Com base nesses pressupostos, Emilia Ferreiro critica a alfabetização
tradicional, porque julga a prontidão das crianças para o aprendizado da leitura
e da escrita por meio de avaliações de percepção (capacidade de discriminar
sons e sinais, por exemplo) e de motricidade (coordenação, orientação espacial
etc.).
Emília Ferreiro e Telma Weisz
Dessa forma, dá-se peso excessivo para um aspecto
exterior da escrita (saber desenhar as letras) e deixa-se de lado suas
características conceituais, ou seja, a compreensão da natureza da escrita e
sua organização. Para os construtivistas, o aprendizado da alfabetização não
ocorre desligado do conteúdo da escrita.
É por não levar em conta o ponto mais importante
da alfabetização que os métodos tradicionais insistem em introduzir os alunos à
leitura com palavras aparentemente simples e sonoras (como babá, bebê, papa),
mas que, do ponto de vista da assimilação das crianças, simplesmente não se
ligam a nada. Segundo o mesmo raciocínio equivocado, o contato da criança com a
organização da escrita é adiado para quando ela já for capaz de ler as palavras
isoladas, embora as relações que ela estabelece com os textos inteiros sejam
enriquecedoras desde o início.
Segundo Emilia Ferreiro, a alfabetização também
é uma forma de se apropriar das funções sociais da escrita. De acordo com suas
conclusões, desempenhos díspares apresentados por crianças de classes sociais
diferentes na alfabetização não revelam capacidades desiguais, mas o acesso
maior ou menor a textos lidos e escritos desde os primeiros anos de vida.
Sala de aula vira ambiente alfabetizador
Uma das principais consequências da absorção da
obra de Emilia Ferreiro na alfabetização é a recusa ao uso das cartilhas, uma
espécie de bandeira que a psicolinguista argentina ergue. Segundo ela, a
compreensão da função social da escrita deve ser estimulada com o uso de textos
de atualidade, livros, histórias, jornais, revistas. Para a psicolinguista, as
cartilhas, ao contrário, oferecem um universo artificial e desinteressante. Em
compensação, numa proposta construtivista de ensino, a sala de aula se
transforma totalmente, criando-se o que se chama de ambiente alfabetizador.
Ambiente
alfabetizador em escola gaúcha nos anos 1980: Emilia
Ferreiro inspira políticas oficiais.
Ideias que o Brasil adotou
As pesquisas de Emília Ferreiro e o termo
construtivismo começaram a ser divulgados no Brasil no início da década de
1980. As informações chegaram primeiro ao ambiente de congressos e simpósios de
educadores. O livro-chave de Emília, Psicogênese da Língua Escrita, saiu em
edição brasileira em 1984.
As descobertas que ele apresenta tornaram-se assunto
obrigatório nos meios pedagógicos e se espalharam pelo Brasil com rapidez, a
ponto de a própria autora manifestar sua preocupação quanto à forma como o
construtivismo estava sendo encarado e transposto para a sala de aula.
Mas o
construtivismo mostrou sua influência duradoura ao ser adotado pelas políticas
oficiais de vários estados brasileiros. Uma das experiências mais abrangentes
se deu no Rio Grande do Sul, onde a Secretaria Estadual de Educação criou um
Laboratório de Alfabetização inspirado nas descobertas de Emília Ferreiro.
Hoje
o construtivismo é a fonte da qual derivam várias das diretrizes oficiais do
Ministério da Educação. Segundo afirma a educadora Telma Weisz na apresentação
de uma das reedições de Psicogênese da Língua Escrita, "a mudança da
compreensão do processo pelo qual se aprende a ler e a escrever afetou todo o
ensino da língua", produzindo "experimentação pedagógica suficiente
para construir, a partir dela, uma didática".
Fonte: Revista em Foco Alfabetização. Acesso em 26/10/2014.
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